O REI TORTO.
Havia o rei, não por merecimento, mas por incompetência do
outro conquistador que havia pleiteado o trono.
Assumira jurando corrigir uma situação toda errada, segundo ele
“uma herança maldita”. Forjara sua reinação em cima de uma suposta austeridade, da
mesquinharia em setores importantes para a população e vassalos, que inquietos diante
de uma cultura de caça às bruxas que vinha crescendo por todo o vale,
direcionava a escolha de seus soberanos diretamente ligada às falhas de
governança,mesmo que algo irrelevantes perto do que tinham agora debaixo de seus narizes , fatos que viraram motivo de indignação em cada viela, e que acabou virando uma cruzada moralizadora e
burra, e o atual mandatário, como uma
experiente raposa, de rabo bem felpudo, havia se prevalecido desta situação e através
de fiéis escudeiros que trazia junto ao
longo dos vinte e tantos anos que esteve com a barriga a roncar, principalmente
de ambição pelo poder, pois sim, ele já estivera antes lá antes , já sentira o aroma embriagante do
poder, armou uma rede de influências em algumas esferas determinantes, de
comunicação, espalhando boatos e raiva,
que acabou alavancando-o ao
poder. Era quase lascivo aquilo. Assumira uma postura centralizadora, nada
acontecia sem que passasse por seu olhar inquisitivo, para seu regozijo.
Era um dono de terra sem terra. Mas no vale isso era comum. Um
brasão familiar ou o sobrenome ainda eram muito importantes, abria portas,
fazia que mesmo alquebrados pela crise que os consumira nos longos anos de afastamento
do poder, pudessem ter um sentimento imaginário de superioridade econômica e
cultural à maioria do povo.
As coisas iam de mal a pior. As pessoas das vilas distantes
estavam desassistidas, embora tivessem se vendido por muito pouco, agora
sofriam os reveses que poderiam ter sido evitados em caso de uma escolha
politicamente consciente. Mas a miséria sempre foi inimiga das avaliações
claras e do bem comum.
Quem tinha noção e capacidade de entendimento sabia que no
fundo não podia culpar essas pessoas humildes. A velha raposa havia acenado com
uma simpatia típica dos velhos, que sumiu logo no primeiro dia de governança. Seus asseclas também
mostravam sinais de descontentamento. A ideia de governo participativo e que
lhes desse um retorno financeiro quase que imediato caiu por terra quando o
velho lhes ofertou um salário irrisório ou pagou dívidas antigas com posições em cargos. Tinham apenas aquilo agora. As
convicções,ideologias e vantagens,agora se restringiam a meia dúzia mais
próximos à raposa.
O rei tinha seu tempo contado. Sabia disso, mas nada era
comparado ao sentimento de soberba, de ter reconquistado algo depois de tanto
tempo. O resto se danasse. Talvez houvesse conspiradores, articuladores
trabalhando implacavelmente para derrubá-lo, gente de dentro, gente com meios
de espalhar as notícias, gente com capacidade de questionamento e de
influenciar a opinião popular. São uns idiotas pretensiosos, julgou. Afinal
dezembro está próximo e daria ao povo algo tipo morfina para o sofrimento.
Diversão e parafernálias visuais.
Ganharia mais um fôlego, coisa de meses. Precisaria de algo para desviar o foco depois.
Quem sabe convencer a base da pirâmide que construir um novo castelo seria um objetivo comum e vantajoso...